..........gritei, chorei, dei murros e pontapés na carrinha e voltei para casa. Pode-se dizer que foi aí que começou realmente o meu processo de recuperação, tinha tudo para consumir drogas: motivo, (desculpa), dinheiro, enfim o principal, no entanto acabei por escolher outro rumo para a minha vida. Nos dias seguintes, fiz alguns disparates, em termos de comportamento, mas consegui resistir à tentação de me drogar ou de me embebedar. Entretanto, comecei a desenvolver em mim próprio uma mentalidade não tóxica, ou seja, deixei de consumir álcool, drogas e café com o intuito de alterar o meu estado de espirito. Comecei a procurar situações que me fizessem sentir bem, sem necessidade de produtos "estranhos" e assim comecei a apreciar muito mais o estar com amigos, estar mais tempo com a família, apreciar o sossego do lar e viajar. Não digo que o meu processo de recuperaçao esteja a ser muito difícil; comparado com o que passei durante os anos de consumo de drogas não é nada. E claro que, neste período, já tive a tentação de me drogar, mas felizmente consegui resistir. Bastou para isso parar um pouco para pensar e chegar à conclusão que umas horas de "prazer" não valem tanto como o pouco que consegui construir até hoje. Estar em recuperação não é fácil, para quem se habituou a não se preocupar com nada e em que só a droga contava. Agora tudo nos cai em cima: trabalho, contas para pagar, problemas familiares, acidentes e o que para mim é mais duro: a intolerãncia de muita gente. Também não posso dizer que seja demasiado difícil estar em recuperação, penso que eu estou a conseguir porque desenvolvi a minha auto-estima e além disso desenvolvi ideais: ser respeitado pelas pessoas, mostrar a quem falava mal de mim que essas pessoas tal como eu também cometem erros, ter a minha família, ter o meu carro e o mais importante, encontrei algo onde me pudesse entregar de corpo e alma: fundei a Associação Canguru.
Passaram 7 meses enquanto estive separado da pessoa com quem vivia. No inicio desse período , não conseguia estar em lugar nenhum. Um amigo emprestou-me uma auto caravana e parti à procura de tranquilidade, contudo, quando chegava ao destino traçado não me sentia bem e voltava para as Caldas. Isto durou semanas, sem no entanto, tocar em drogas. Decidi procurar ajuda e recorri a uma psicóloga, onde andei uns meses e aprendi muita coisa sobre mim, e como viver com alguns defeitos de caráter que tenho. Finalmente comecei a sentir-me melhor e recomecei a trabalhar, passados alguns dias pedi um empréstimo à minha mãe e comprei um carro. A minha vida pouco se alterou: continuava com as minhas actividades na Associação, jogava futebol nos veteranos do Caldas Sport Club, e saía aos fins de semana com amigos, até que um dia tive um acidente de viação e o carro foi para a sucata: Eu parti um pulso e ainda hoje sinto que fui vitima de uma manobra perigosa de outro condutor, no entanto, fui considerado culpado pelas companhias de seguros. Foi duro ver-me sem o meu carro e de repente sentir que tudo era em vão. Felizmente que nesse momento a minha auto estima já estava bastante consolidada e consegui reagir, continuava sem consumir qualquer substância de forma a alterar o meu comportamento ou procurar sensações. Decidi que devia demonstrar a mim próprio e aos outros que era forte e que conseguia reagir, falei com a minha família e comuniquei-lhes que tinha decidido comprar outro carro, e que tinha que ser igual ao outro. A minha mãe disse que não queria o dinheiro que me emprestara abrindo-me assim a possibilidade de pedir um empréstimo ao banco, foi o que fiz. Ainda não estava completamente recuperado do meu pulso e já eu tinha um carro igual ao outro, mesma marca, modelo e ano de construção. Graças ao meu comportamento a minha relação com a minha companheira estava a melhorar e começámos a encontrar-nos, a conversar, e voltámos a viver juntos. Eu era outra pessoa, com outra forma de estar e de agir para com os outros, embora reconheça que sou muito duro e frio em algumas situações, o que por vezes, faz pensar que sou egoísta e que só penso em mim. Passado um ano decidimos casar e ter filhos. Casamos no dia 27 de Julho de 2002. Foi um casamento lindo, como eu sempre sonhara. Foi uma cerimónia de muita lágrima. Minhas, por conseguir realizar mais um sonho, por ver a felicidade dos meus pais e irmã, por ver todos os amigos que consegui reunir; dos outros, por verem a emoção que eu transmitia. Passados cinco meses a minha mulher descobriu que afinal ainda não queria ter filhos e que tinha necessidade de fazer "coisas" na vida. O meu mundo desabou, pensei em tudo: suicidar-me, voltar a consumir, desaparecer para parte incerta. Passei duas semanas de agonia e tristeza, até que no dia 2 de Dezembro de 2002 nos separámos.
Voltei para casa dos meus pais. Mais uma vez me vi a ter que recorrer aos meus pais. Senti-me perdido, vazio e sem vontade de continuar a esforçar-me. Em alguns momentos pensei em consumir drogas, mas felizmente tudo não passou de pensamentos. No dia 14 de Fevereiro de 2003 divorciei-me. Foi estranho , sensações incómodas e sentimentos contraditórios acompanharam-me durante esse dia. Continuei a trabalhar com o meu pai na nossa oficina de restauros de móveis, e decidi pedir um empréstimo para comprar um apartamento, para finalmente ter o meu "cantinho". O empréstimo foi aprovado e mudei-me para a minha casa.
Processo de Recuperação